22 novembro, 2006

A fábula do ladrão e o cão de guarda.

Muitas têm sido as declarações de responsáveis políticos - do Governo, dos vários partidos com acento nas Assembleias da República e Regionais e dos Presidentes dos Governos das Regiões Autónomas - sobre a nova Lei das Finanças Regionais. Têm sido tantas e tão divergentes as tomadas de posição sobre tal matéria que parecem ter o propósito de criar um clima de confusão, quiçá propício à sua aceitação.

Ao contrário do que acontece na Região Autónoma da Madeira onde há unanimidade na sua rejeição, os socialistas dos Açores defendem a nova Lei das Finanças Regionais como a melhor das melhores e que preconiza a transferência de mais e mais milhões da República, enquanto todos os dos restantes partidos – sociais democratas, populares, comunistas e até bloquistas - acusam-na de centralizadora e de atropelo à autonomia político financeira da região .

Outros há ainda, os do continente – o Governo e fazedores de opinião – que defendem, intransigentemente, a nova Lei de Finanças Regionais, como forma de acabar com o regime financeiro de excepção de que gozam as Regiões Autónomas, denominando-o de “ insólito regime de favor” gerado pelas volumosas transferências do Orçamento do Estado que, segundo eles, é alimentado somente pelos contribuintes do continente.

Se me é possível compreender as tomadas de posição do Primeiro ministro, do ministro das Finanças e até de alguns ilustres continentais sobre esta matéria, que vêem as Regiões Autónomas do seu país como um encargo para o Estado, e os desculpar por desconhecerem as inúmeras dificuldades de se viver em ilhas pequenas e longínquas, já não consigo compreender a tomada de posição do presidente do Governo da minha Região Autónoma .
Certamente que os primeiros não sabem que apesar das transferências financeiras do Estado os custos da insularidade continuam a pesar nos orçamentos familiares. Que necessidades básicas como habitação, alimentação e educação são mais caras porque vivemos em ilhas distantes. Que o vestuário e calçado também o é. Que ler revistas e jornais aqui custa mais caro. Que somos obrigados a pagar mais de 300,00€ para ter acesso aos canais de televisão que no continente são gratuitos. Que o nosso mercado de emprego é muito mais restrito; que cada vez que quisermos sair do nosso diminuto perímetro de ilha é preciso tomar um avião e pagar mais de metade de um salário mínimo nacional.

O mesmo não se poderá dizer em relação ao facto do presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores aceitar uma Lei que vai acentuar essas dificuldades. Que afirme que a nova lei é importante para as Autonomias, quando anteriormente estava empenhado em defender a Lei das Finanças Regionais em vigor e não a sua revisão.
Compreendo que por gratidão para com os seus congéneres de Lisboa e pela transferência de mais alguns milhares agora diga sim. Mas sabe que no futuro no-los vão retirar.




As anunciadas transferências de tantos milhões que se diz virem a resultar da aprovação da nova lei, faz-me recordar a fábula de Esopo, sobre o ladrão e o cão de guarda, assim contada:
“ Pretendendo um ladrão assaltar uma casa trouxe consigo vários pedaços de carne para que pudesse acalmar o cão de guarda e este não acordar o dono com os seus latidos. O cão, recusando tão generosa oferta, disse ao ladrão:
- Se estás pensando que vou deixar de ladrar cometes um grande erro. Esta repentina gentileza vinda das tuas mãos apenas me deixa mais atento. Por detrás desses inesperados favores deves ter algum interesse oculto em teu próprio benefício para prejudicar o meu dono.”



P.Delgada, 9 de Novembro de 2006

V.A.


in "Correio dos Açores"

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